“(…) love, love, love…”, repetiu Pelé ao encerrar sua carreira como jogador profissional, em 1º de outubro de 1977. Declamadas sem ímpeto, essas palavras podem soar rasas, mas são a essência da vida em diversos aspectos. Para Walter Thiago, o amor sustenta suas atividades na London Calling, um dos espaços especializados em discos de vinil mais tradicionais do país.
Em 35 anos, a marca comercializou inúmeros clássicos e promoveu mais de 50 encontros com grandes nomes da música nacional e internacional, incluindo colossos como Dead Kennedys, Motor City Five, New Modern Army, The Donnas, The Mission, Toy Dolls e, como não poderia deixar de ser, com cinco integrantes dos Ramones.
Visando acompanhar as atividades desses gigantes, o icônico recinto expandiu suas atividades e, desde 29 de setembro de 2018, passou a atuar nas lojas 302, 304 e 306 situadas no segundo andar da Galeria do Rock, no centro da cidade de São Paulo.
Quem é Walter Thiago?
Santista em todos os sentidos da palavra, Walter Thiago cresceu na baixada sempre alimentando uma profunda paixão por discos de vinil. Desde sua pré-adolescência, percorria longas distâncias para comprar os artigos na capital do estado, que oferecia mais opções e valores mais atraentes.
As viagens constantes promoveram a necessidade de uma autorização especial, expedida pelo então Juizado de Menores, atual Juizado da Infância e Juventude. Através dela, o garoto estava legalmente autorizado a percorrer o trajeto sem o acompanhamento de um adulto responsável, ação que o permitira consumir ainda mais essa mídia. Ele conta que fez “(…)a carteirinha e vinha comprar discos aqui. Saía carregado de material. Passava o dia na Galeria do Rock”. Entre os destinos mais frequentados pelo jovem, estava a lendária Baratos Afins, de Luiz Calanca.
Eu vinha na loja dele com treze anos de idade.
Já mais velho, em 1982 se mudou para São Paulo, mas, claro, sem abandonar seus “bolachões”. Com eles, se inseriu na vida noturna da cidade e passou a tocar em discotecas icônicas como o Ácido Plástico, a Anny 44 e a lendária Madame Satã. Posteriormente, ainda sedento por música, optou por integrar alguns grupos musicais. Apesar disso, “(…) não cheguei a gravar nada na época… era mais difícil que hoje em dia”.
London calling to the faraway towns…
Finalmente, em 1986, mesmo sem atingir a maioridade, Walter Thiago iniciou suas atividades na London Calling. Todo o processo de criação se iniciou e se desenvolveu próximo à Galeria do Rock, mas o espaço só migrou para o ponto atual no dia 29 de setembro de 2018. Mesmo assim, a presença do comerciante sempre foi uma referência nesse mercado, que chegou a desfrutar de duas companhias da mesma franquia ao mesmo tempo.
Conforme explicou o empresário, “(…) nos anos 1990 eu abri a Gabba Gabba Ray, e mantive as duas lojas simultaneamente, uma bem próxima à outra. Apesar disso, por ser muito corrido, eu acabei fechando. Muito trabalho, muita coisa em cima da gente… acabei me dedicando só à London Calling”.
Mesmo assim, as expansões do empreendimento não pararam. Pioneira, a marca inaugurou um espaço online para vendas ainda no ano 2000. Para Walter Thiago, não é segredo que o endereço foi “(…) uma das primeiras ou a primeira loja virtual de música no Brasil”.
A postura visionária aliada ao trabalho com peças únicas estruturou o futuro concreto da companhia. Consumidor exigente, o empreendedor destaca essa relação, informando que “(…) acima de tudo, eu sou colecionador, sempre fui. Então eu adoro coisas voltadas para fã clubes, edições limitadas e numeradas”. Essa postura fica (ainda mais) nítida ao analisarmos o histórico de materiais que passaram pelo balcão da London Calling. Ele conta que chegou a ter “(…) disco de prensagem teste dos Ramones que só saíram dez cópias”.
Em sua coleção pessoal, itens autografados pelo AC/DC, Iggy Pop, Ramones, The Clash e diversos outros gigantes agregam valor às suas prateleiras. Além disso, “(…) tenho itens promocionais e muitas edições diferentes de países como Israel, Grécia, Argentina, Chile… também tenho coisa rara que nunca saiu oficialmente como bootlegs europeus lançados nos anos 1970 e 1980”.
Atualmente, Walter Thiago se orgulha por manter diversos artigos dessa categoria e disponibilizar um catálogo plural nesse espaço. Segundo ele, “(…) hoje em dia eu não trabalho só com rock, eu trabalho com raridades de MPB, de jazz, de blues, tenho sessão de trilha sonora de filmes, sessão de música clássica, a gente tem um leque bem variado”.
Se eu fosse comercializar só o que eu, gosto eu estaria frito.
Além disso, o vendedor destaca que “(…) nós temos, praticamente, 100 livros diferentes sobre música. Temos livro importado, livro nacional, tem até livro do Pixinguinha! A gente trabalha com uma variedade bem grande”. Apesar desses diferenciais, outra característica foi essencial para alavancar o empreendimento ao patamar de uma das mais influentes desse gênero.
O que são (e o que foram) os eventos promovidos pela London Calling?
Assim como citamos anteriormente, os encontros entre artistas e fãs realizados pela London Calling foram alguns dos pilares mais importantes para sustentar essa história de sucesso. Afinal, como explica Walter Thiago, “(…) no decorrer desses 35 anos, nós fizemos 50 tardes de autógrafos com bandas internacionais. Cinco vezes, por exemplo, com integrantes dos Ramones. Além disso, teve New Model Army, The Mission, MC5, The Donnas”.
Além desses eventos, a realização de performances musicais também colabora com a composição espetacular do espaço. Entre os momentos mais marcantes voltados a essa vertente, estão apresentações de outro representante alvinegro, o icônico Supla, e do saudoso Dead Kennedys.
Freados pela pandemia, esses acontecimentos devem retomar conforme um controle sanitário mais assertivo seja promovido por órgãos regulatórios. Ansioso, Walter Thiago planeja aproveitar ainda mais o espaço conquistado recentemente, e garante novidades em breve para promover experiências além do som.
Música é uma coisa cultural, não basta vender disco, CD, essas coisas…
E, de fato, elementos complementares ao áudio são extremamente valorizados pelo empreendedor, que sempre busca direcionar seus esforços para suprir a necessidade e a vontade de amantes da música. Nesse sentido, o vendedor destaca alguns dos eventos realizados no início do século, momento em que a London Calling “(…) promovia diversos encontros de fã-clubes. Teve encontro do pessoal do U2, da Madona”.
Eu nunca tive preconceito com nada em relação à música.
Esse respeito refletia em um reconhecimento amplamente difundido pelo Brasil. Segundo Walter Thiago, durante essas reuniões “(…) tinham pessoas de vários estados diferentes, que se reuniam por um dia na loja para compartilhar informação, trocar discos, adquirir materiais diferentes conosco”.
Consequentemente, seus clientes usavam a London Calling como uma maneira de aprender sobre ícones do cenário artístico mundial. Conforme explica o empresário, essas pessoas “(…) costumam vir à loja e ver os registros das tardes de autógrafos, ou mesmo viagens internacionais, já que eu vou muito para festivais de música”. E, como não poderia deixar de ser, o vendedor aproveita para revelar algumas de suas experiências mais marcantes nesse sentido.
Walter Thiago e suas diversas experiências únicas
Entre todos os momentos que marcaram a vida de Walter Thiago, alguns foram cravados em sua memória com extrema potência. Segundos espetaculares, minutos únicos que, se não fossem relatados com tamanha precisão e não possuíssem registros (em geral) fotográficos, seriam considerados irreais com muita facilidade.
Tive a oportunidade de conhecer com intimidade muita gente do meio da música.
Segundo o empreendedor, essa aproximação se desenvolveu com inúmeros artistas, incluindo integrantes de referências da indústria como Led Zeppelin e Motörhead. Conforme relata em nossa conversa, pôde interagir “(…) com Lemmy, Robert Plant, muita gente… o pessoal gosta de fazer perguntas e eu adoro conversar sobre isso”.
No Brasil, as oportunidades se desenvolveram igualmente, e incluíram diversos representantes desse meio, principalmente através do rádio. Nostálgico, o vendedor conta que teve “(…) a oportunidade de fazer vários programas com o Kid Vinil, que era um amigo desde que eu era adolescente”. Inundada por música, a relação entre os dois começou cedo, visto que “(…) aos 15 anos, levei uns bootlegs em vinil do Iggy Pop para a, na época, rádio Excelsior… foi ali que fiz amizade com ele”. Antes de partir, em 19 de maio de 2017, o apresentador realizou uma de suas exibições mais marcantes.
O último programa foi só com material meu.
Conforme conta o empreendedor, “(…) ele pediu pra levar coisas realmente muito raras, coisas interessantes. Então, nós fizemos um programa juntos, ele apresentando, eu tocando as músicas e explicando sobre as bandas… e 48 horas depois ele teve o problema que o vitimou”.
Cabisbaixo, ele lamenta ser “(…) uma perda irreparável… era meu ídolo. Um cara super gente fina, de um caráter enorme, uma pessoa excelente… com certeza ajudou muitas bandas do rock nacional”.
A fixação pelos Ramones
Desde pequeno, Walter Thiago alimentou um profundo interesse pelos Ramones. Era obcecado e, como não poderia deixar de ser, carregou essa paixão por toda a sua vida. No Brasil, pôde ir em todas as apresentações da banda, incluindo as mais conturbadas realizadas entre os anos 1980 e 1990.
Em 1991, por exemplo, um dos momentos mais obscuros da trajetória da banda se desenvolveu em São Paulo. Conforme relata o vendedor, esse foi o “(…) show fatídico em que faleceu um cliente nosso. Ele estava no meio de uma confusão entre os seguranças e o público, então puxaram uma faca e… um lance absurdo. O cara era da paz, não tinha nada a ver com o negócio”.
Apesar do triste episódio, em linhas gerais as experiências foram extremamente positivas. Empolgado, Walter Thiago ficou “(…) na frente do palco, e tive a felicidade de pegar a palheta do Johnny, do Dee Dee. Para mim, foram shows sensacionais, jamais eu imaginava que haveria uma apresentação dos Ramones aqui no Brasil”.
Em 1996, os novaiorquinos se despediam dos palcos no momento em que Walter Thiago e um “jornalista conhecido”, que teve a identidade preservada, perceberam “(…) um cara baixinho com um boné e uma filmadora”. Questionados sobre a identidade do “cinegrafista”, representantes da produção responderam ser Eddie Vedder. No entanto, ao solicitar uma foto com o artista, o amigo do empresário teve o pedido negado visto que o músico “(…) não tirava foto com cara muito mais alto que ele”. Do alto de seus 1,69, o vocalista do Pearl Jam deve encontrar dificuldade em solo nacional, em que a média masculina chega a 1,73, segundo dados da eLife.
Quais as próximas faixas na vida de Walter Thiago?
Apaixonado por seu trabalho, o santista não imagina se aposentar, visto que “(…) eu amo o que eu faço, então não penso nisso, não. Nunca pensei, nem nos piores momentos”. A estabilidade de vendas de LPs, aliada a um gradual crescimento na comercialização de CDs também ajuda a promover esse sentimento. Se tudo continuar nesse fluxo, a London Calling deve continuar promovendo cultura por muitos anos.
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Imagem em destaque: Walter Thiago/ Nossa Caixa de Discos.