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#NCDENTREVISTA: Luiz Calanca conta como é ser o mais antigo vendedor de discos de vinil da Galeria do Rock

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Luiz Calanca

A composição soturna faz da cidade de São Paulo o coração do drama em todos os sentidos dessa palavra. Consequentemente, o Centro Comercial Grandes Galerias, um oásis artístico em meio a inúmeros edifícios tombados, se apresenta como uma das artérias mais importantes da região. Dentre seus personagens mais icônicos, está Luiz Calanca, que se destaca como um dos mais relevantes trabalhadores multifuncionais do meio musical, mesmo sem saber “(…) porra nenhuma”.

Mesmo assim, as ações do empreendedor colaboraram com a construção da identidade de um dos espaços mais simbólicos dessa vertente, que passou a receber um público cada vez mais característico. Conforme Marcelo Moreira escreveu ao UOL, “(…) não bastasse a importância cultural da loja, [Luiz] Calanca pode ser apontado como o principal responsável pelo surgimento da Galeria do Rock”.

A afirmação se sustenta em sua atuação marcante na Baratos Afins, localizada no segundo andar do edifício. Em atividade há mais de quatro décadas, a loja oferece a seus potenciais consumidores aproximadamente 35 mil títulos em CD e outros 110 mil títulos em LP.

Quem é Luiz Calanca?

Uma das figuras mais eminentes do cenário artístico nacional emergiu em meio à baixa população do município de Flórida Paulista, localizada no interior do estado de São Paulo. A infância interiorana seria pacata não fossem alguns episódios que moldaram sua personalidade rebelde, porém extremamente empática.

Ainda jovem, teve a infelicidade de viver alguns dos momentos mais sombrios da ditadura militar brasileira. Na época, testemunhou a prisão do vizinho, um mero agricultor apontado como comunista por agentes estatais. Segundo Luiz Calanca, o trabalhador foi autuado “(…) só porque ele estava de vermelho”. Cresceu alimentando seu inconformismo por figuras repressivas, e externou esses sentimentos através de atos contra esses modelos.

Seguindo essa vertente, relembrou uma manifestação que considera um dos momentos mais emocionantes de sua vida. Na ocasião, policiais tentaram dispersar os presentes através de inúmeras formas de agressão, desde jatos d’água até bombas de efeito moral. No entanto, a oposição preferiu reagir sem a mesma truculência, se sentando no chão e cantando o hino nacional.

Chegou um momento em que não importava se iríamos morrer.

Essa postura se fortaleceu com o passar dos anos e transcendeu suas visões políticas. Na música, passou a desprezar gêneros populares e, através disso, iniciava uma das campanhas de maior sucesso entre o público alvo de seu futuro estabelecimento.

O nascimento da Baratos Afins

“Boca”, ou “boca de fumo”, é uma gíria utilizada em algumas regiões brasileiras para se referir a espaços dedicados a venda e consumo de drogas ilícitas. Para Luiz Calanca, a aquisição do primeiro espaço de sua loja, em meados de 1978, se dava em meio à “(…) boca do disco” da cidade.

Na época, o farmacêutico exercia seu ofício em um estabelecimento que não seria mais suficiente para sustentar sua família, que cresceria em alguns meses. Para aumentar sua renda e acompanhar essa expansão, foi obrigado a se desfazer de alguns exemplares de seu acervo de discos de vinil, ação que seria menos dolorida se imaginasse as próximas faixas que seriam tocadas em sua vida.

Para organizar seu novo negócio, trocou uma coleção do rei Roberto Carlos pela chave de seu primeiro espaço na Galeria do Rock, à época um local extremamente decadente, descrito pelo próprio comerciante como “(…) uma caverna. Mas era tudo que eu podia ter”.

O amor pelos discos de vinil aliado ao conhecimento mercadológico promoveu a Baratos Afins a uma das marcas mais relevantes do local, se sobressaindo em meio a gigantes especializadas daquela época mesmo com a censura estatal. Entre os diferenciais de seu território, estava justamente a rebeldia de Luiz Calanca, que expelia audácia através da exposição de obras exóticas, completamente distantes das produções mais populares encontradas em outras empresas desse nicho.

Quando eu abri a loja, os discos ‘mainstream’ eram tapete pra roqueiro pisar.

O resultado não poderia ser outro além do sucesso. A cada nova remessa vendida a concorrência o observava como um potencial problema. Por isso, o empreendedor precisou investir em alternativas para superar os gigantes que o cercavam. E, assim, nasceu o selo Baratos Afins.

Luiz Calanca conta que “(…) queria ser diferente, então comecei a produzir discos, fazendo tiragens exclusivas para a minha loja”. A ideia funcionou e foi literalmente comprada pelo público, ajudando a promover bandas como As Mercenárias, Fellini, Golpe de Estado e, principalmente, o icônico Ratos de Porão, de João Gordo e companhia. 

No entanto, o trabalho incessante e novas visões de mundo iniciavam a lapidação de uma mente cada vez menos arrogante, que começava a se desconstruir enquanto compreendia a importância da ecleticidade.

A pluralidade de Luiz Calanca

O amadurecimento do empreendedor atingiu diretamente o funcionamento da Baratos Afins. A diversidade musical passou a ser mais presente em suas caixas de discos, e o passado moldou sua visão de mundo, como deveria ser em regra. Ao comentar sobre a depredação de obras mais populares, por exemplo, Luiz Calanca reconhece que “(…) era uma atitude de moleque. Mas não escondo”.

Apesar de consideravelmente tardia, essa lapidação colaborou com a estruturação do momento que define como “(…) a maior guinada econômica da minha vida”. O período em que se refere com tanto entusiasmo é a ascensão da produção, compra e venda de CDs no Brasil e no mundo. Na época, aproveitou a desvalorização dos LPs para aumentar seus estoques, frequentemente através de trocas, principalmente por acreditar que “(…) a invenção do CD foi um retrocesso na indústria fonográfica”.  

Essa perspectiva de mercado era criticada por diversas pessoas que o “(…) tratavam como o último dos moicanos por gostar de vinil”. Mesmo assim, o vendedor manteve sua postura e, conforme ele mesmo defende, acertou em cheio, visto que “(…) o CD morreu, o LD morreu, o DVD morreu… e o Blu-ray nasceu morto!”.

O CD virou lixo e eu estava certo.

Apesar dessa visão, atualmente sua loja é mais diversa e tolerante, comercializando artistas e gêneros que não se enquadram exclusivamente em seus gostos pessoais. Conforme afirmou o empresário, “(…) hoje eu tenho respeito por toda e qualquer música. Eu acho que tem mercado pra tudo”.

Essa variedade mercadológica e, consequentemente, cultural colaborou com a estruturação de um dos principais ensinamentos que o paulista obteve ao longo dos anos, visto que ele mesmo considera ser “(…) muito subjetivo falar de música”. Por isso, o vendedor não poupa palavras para expressar a discordância em relação ao frequente rótulo que recebe, de especialista nesse assunto. 

Eu achava que entendia de música quando abri a minha loja. Hoje eu tenho certeza que eu não sei porra nenhuma.

Essa visão é abrangente e não se restringe ao ambiente artístico, conforme ele mesmo defende. O vendedor repudia figuras governistas de diversos espectros, e se mostra insatisfeito por não acreditar na existência de uma terceira via válida para as eleições presidenciais de 2022. Aliado à sua forte modéstia e opiniões incisivas, ressalta que não é “(…) ninguém para falar de política, mas os especialistas não vão votar por mim”.

Sobre a Galeria do Rock…

Mais de quatro décadas de um relacionamento extremamente íntimo não foram suficientes para fazerem Luiz Calanca reprimir seu pessimismo sobre o presente do saudoso Centro Comercial Grandes Galerias. E, sim, o adjetivo que antecede o nome oficial desse espaço não está sendo utilizado de maneira equivocada, conforme sugere o vendedor.

Essa galeria não tem mais nada a ver com rock.

Segundo ele, o local ficou defasado “(…) por conta de lojas que caíram fora, por causa de condomínio e aluguéis caros. Em outros lugares têm espaços maiores e alugueis menores”. Por fim, se lamente afirmando que “(…) não tem mais nada de rock aqui. Tem muito mais loja de skate, serigrafia… os caras vendem camiseta do Jack Daniels e acham que é banda. Não estou querendo criticar ninguém, mas eu sei que rola isso”.

Além de enfatizar essa escassez, Luiz Calanca garante que esse problema é mais amplo, atingindo o gênero musical em si. Afinal, ele acredita que “(…) tem muita coisa ‘mó farofa’ que o próprio roqueiro abomina, isso muitas pessoas sequer percebem. Dentro do rock tem subprodutos e bandas mais fuleiras que, vamos dizer assim… não representam o rock de verdade”.  

O empreendedor aproveita para recordar os tempos mais movimentados do espaço, explicando os motivos que faziam da Galeria do Rock um dos principais pontos dedicados a amantes de LPs. Segundo ele, “(…) aqui era uma efervescência. O cara que ia procurar um disco sempre caía dentro da galeria antes de ir em qualquer outro lugar, a diversidade aqui era muito grande. Tinham lojas especializadas em Beatles, anos 1950, instrumental, reggae, blues…”. 

Quais as próximas faixas na vida de Luiz Calanca?

Apesar de estar aposentado, o vendedor não consegue se distanciar da profissão, mesmo acreditando que os momentos mais produtivos do negócio se foram antes mesmo da pandemia. Ele se recorda que chegou a empregar “(…) 17 funcionários quando a galeria era do rock mesmo, tinha muito movimento aqui”.

Mesmo assim, não quer abandonar a trabalhosa rotina desse meio. Afinal, “(…) aqui é minha vida, sério! Eu fico preocupado de ter que parar e minha filha precisar segurar essa barra toda sozinha, porque não é fácil”.

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Imagem em destaque: Luiz Calanca/ Nossa Caixa de Discos.

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